Chegamos em um ponto da seção SOU TNS onde algumas das dezenas de relatos que registramos até aqui se entrelaçam, tecendo enredos que emocionam, inspiram e geram a sensação de pertencimento com a trajetória de sucesso da UFRGS. A caminhada de Itabira Miranda Carrasco na instituição reforça essa percepção, além de provocar a nostalgia de um período que, mesmo que alguns não tenham vivido, desperta para a importância de tudo que foi realizado ao longo do tempo para fazer da instituição uma referência nacional e internacional.
Natural de Porto Alegre, ele recém havia se formando em Arquitetura e Urbanismo quando foi chamado por Cyrillo Severo Crestani, colega de profissão que já estava há mais tempo no mercado, a integrar um time que marcaria para sempre a história da Universidade. O desafio? Participar do projeto de construção do Campus do Vale. Foi uma reviravolta na vida de Bira, como é conhecido. Já atuando na iniciativa privada, até então ele trabalhava com outros colegas em um escritório na antiga sede do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), na rua Annes Dias, em frente à Praça Dom Feliciano.
Cyrilo, por sua vez, tinha sido chamado para chefiar a equipe de Projetos de Arquitetura, enquanto o engenheiro Luiz Carlos Bortolini ficou com a tarefa de comando da construção, ambos convocados pelo engenheiro Ivo Wolff, reitor da UFRGS de 1972 a 1976. Eles tinham o compromisso de colocar de pé inúmeros novos prédios, como o dos Institutos de Ciências e Tecnologia dos Alimentos, Letras, Filosofia e Ciências Humanas, Química, Matemática, Física, Geociências, Informática e parte do Instituto de Biociências, entre outros. E eles conseguiram, utilizando, por exemplo, peças de concreto pré-moldadas dos pavilhões, um modelo construtivo não convencional pioneiro até então no Rio Grande do Sul.
“Tínhamos muito apoio do reitor, dos diretores e de Brasília, onde a UFRGS contava com um espaço de apoio, de negociação e de acompanhamento dos recursos. Tudo era feito com administração direta, desde os serventes até os profissionais de nível superior”, conta Bira.
O Campus do Vale foi inaugurado em tempo recorde, em 1977. Mas os espaços começaram a ficar prontos e precisavam ser ocupados. Foram então alertados sobre a dificuldade de encontrar componentes metálicos e de madeira para suprir a obra. Neto de marceneiro, o espanhol João Calderón Carrasco, e por ter acompanhado a experiência do pai, Rodolpho Carrasco, que dirigiu uma grande marcenaria, foi de Bira o insight que resolveria a situação. “Tive a ideia de criar as Oficinas de Produção, onde passamos a projetar e construir itens como balcões, capelas de laboratório e corrimãos. Foi uma experiência única, chego a me emocionar!
Na década de 1980, Bira coordenou a equipe que projetou uma linha própria de móveis, reconhecida por ser prática, simples e robusta. “Começamos a produzir para entregar os espaços vestidos. Criamos a lógica de postos de trabalho conforme os cargos e horários dos funcionários, elaborando mobiliários específicos para cada necessidade. Eram pouco mais de 20 peças que davam conta de toda a complexidade”, relata o arquiteto.
Os projetos para os quais foram chamados dentro da UFRGS não pararam por aí, inclusive pelo apoio de entusiastas como o reitor Francisco Ferraz (1984-1988), um apaixonado pelo Campus do Vale. O sucesso da Oficina foi tamanho que Bira e sua equipe produziram em Porto Alegre e enviaram para o Litoral o mobiliário do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos da UFRGS (Ceclimar), localizado às margens da Lagoa de Tramandaí.
Depois, ainda partiram para as demandas da Colônia de Férias da UFRGS, em Capão Novo. Nesse meio tempo, implantaram a Prefeitura Universitária e as Subprefeituras, além de abraçarem a reforma integral da Reitoria, incluindo a fabricação dos móveis e divisórias. “Dávamos suporte para as obras maiores e as paralelas. Chegamos a ter mais de 50 funcionários”, relata.
As solicitações à Oficina de Produção eram tantas que a iniciativa chegou a ter um anexo no Campus Centro. Bira ressalta: “Era uma fábrica própria. O que mais nos exigiu foi chegar nessa linha, nesse padrão de durabilidade, tanto que estão aí até hoje, exigindo apenas manutenção”.
“Foi uma oportunidade única para todos, do servente de obras ao engenheiro. Saímos todos amigos. A gente tinha uma retaguarda tão boa que nunca precisou se preocupar com atitudes suspeitas ou negativas, pelo comprometimento de todos, que abraçaram a causa. Havia total confiança entre todos. Naquela época, religiosamente, o Tribunal de Contas batia em todos os setores envolvidos na construção, e nunca encontraram problemas”, revela.
Lá no início, conta que o plano era terminar o projeto e seguir a vida. Mas o grupo acabou se tornando indispensável para a Universidade. Ao longo do tempo, muitos profissionais que atuaram na construção do Campus do Vale foram absorvidos pela Universidade em uma série de setores. Ele mesmo chegou a atuar como e prefeito da UFRGS de 1992 a 1996 e acumular a função de Pró Reitor de Administração, na ocasião da aposentadoria do engenheiro Luís Carlos Ribeiro Bortolini. Bira se aposentou da UFRGS em novembro de 1997, na Superintendência de Infraestrutura (Suinfra).
Atualmente, vive em Imbé, onde continua atuando como arquiteto, cuidando de projetos e reformas no Litoral.
Anahi Fros | Comunicação ATENS UFRGS